segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Ter um coração missionário não é o mesmo que chorar ao ver imagens de crianças africanas desnutridas




É só parar para ver imagens como essa que as pessoas já começam a chorar, a se lamentar, a gritar “Jesus, eu quero ir! Envia-me!”. As pessoas começam a imaginar um missionário como um aventureiro heroico, desbravador de territórios, conquistador de muitas almas, um verdadeiro messias, que passa pelas multidões curando, ressuscitando e libertando.

Se você tem essa ideia utópica de missionários ou se você sonha em ser assim, vendo tudo de longe na sua zona cômoda, desfaça-se desse pensamento desde já!

Certa vez, ouvi uma missionária de um país africano extremamente pobre falar um pouco acerca da realidade diária daquele povo. Neste país, não há energia elétrica para a população. Saneamento básico é algo impossivelmente distante. Água potável, alimentação adequada... Tudo isso que temos na mesa de cada dia é raro.

Só que os sonhadores de missões acham que podem ir lá assim, bater de frente com as características peculiares totalmente assimilares às quais estão acostumados. E não é só isso. Há quem pense que é só chegar e falar “africano, querido, aceite a Jesus”, como se fossem palavras mágicas. Além das precárias condições materiais, a pressão espiritual é para quem está pronto a ver demônios em pessoa, como ocorre sempre. Sim, estamos acostumados a ver uma pessoa possessa ser liberta após uma oração fervorosa de centenas de irmãos. Quero ver quando é ao contrário. Só o crente e centenas de endemoninhados no meio de um terreiro africano. É assim a realidade em que vivem costumeiramente os missionários africanos atuantes.

Pois bem. Eu nem cito aqueles que querem evangelizar países ricos, da alta cultura, como se fossem viver no luxo semelhante. Muito menos dos que acham que, por saberem cantar um ou dois hinos e vários idiomas, pensam que já estão prontos para atravessar os oceanos. Aqui, eu falo apenas desses que, levados pela emoção e pelo entusiasmo, olham para o continente africano querendo pegar um avião e gritar o nome de Jesus. Está errado? Lógico que não. Mas o caminho é mais extenso, mais estreito e mais dolorido.

Acho interessante quando vejo pessoas aos prantos numa reunião para falar de missões, principalmente quando sobre da África (sim, porque Estônia, Chile, Nova Zelândia e outros países “normais” não arrancam tantas lágrimas). As pessoas choram ao ver slides com imagens de crianças desnutridas e uma música fúnebre ao fundo. No final, o versículo é o mesmo: “A quem enviarei, e quem há de ir por nós?” (Isaías 6.8).

Mas a realidade não se resume à emoção em ver meninos famintos e barrigudos. Basta fazer uma pesquisa no contexto no qual vivem essas pessoas africanas. São famintas, refugiadas, moram no calor, comem restos de comida, veem crianças magérrimas morrendo como bicho. São alheias, desprezadas, doentes, invisíveis. Esse é apenas o primeiro cenário para que pisa o pé nestes lugares.

São pessoas carentes de Deus, mas também são carentes de comida, de um lugar confortável para morar e dormir, de condições dignas de se viver. Será se todos os esses que gemem por missões querem enfrentar tudo isso, deixar seus confortos, suas camas quentinhas e seus almoços com arroz e feijão para se adequar à cultura de outros povos?

Eu até diria mais: seria tão simples dizer que Jesus é o pão da vida numa terra de esfomeados? Que Jesus quer dar alegria, gozo e paz numa terra de guerra civil, de mortes diárias? Será se estão prontos, de fato, para evangelizar uma cultura totalmente diferente, correndo riscos de contaminação, infecção, etc.? Estariam dispostos a renunciar seus caprichos em prol destes desfavorecidos?

As pessoas sonhadoras têm comida boa, conforto, carinho de família, roupa lavada e tudo mais. Mas pensam que vão fazer uma “expedição de Cristo” nos países pobres. Elas se esquecem de que há muitas Áfricas espalhadas pelo Brasil. Há cidades no interior de Pernambuco, por exemplo, em que apenas 12 pessoas se converteram a Cristo no ano passado. Há lugares onde as pessoas são esquecidas, desprezadas, amarradas aos ídolos e à ignorância, deixadas ao relento espiritual.

E por que os sonhadores de missões não pensam nelas? Afinal, inguém corre risco de morrer no Sertão. Ninguém vai ficar desnutrido ou viver numa região de tiroteios. Mas encontrarão, sim, gente sofrida, carente do Evangelho do mesmo jeito que os africanos são. E as favelas, os mangues, os morros? E as madrugadas com seus marginais, prostitutas e drogados? Por que não pensam neles? Por que só querem missão transcultural? É para colocar no currículo, para falar outro idioma ou para ser aclamado na sua terra natal como “o missionário”, por acaso?

Esqueça isso. Quer levar o Evangelho às criancinhas pobres e famintas da África, da Somália, de Guiné-Bissau ou da Etiópia? Primeiro vá, por exemplo, a Manari (cidade mais pobre do Brasil), ou ao Coque (bairro carente do Recife). Se quiser, visite os rincões distantes das capitais, os pântanos, as florestas, os canaviais, as serras, ascaatinga... Vá a qualquer lugar onde tem um “africano barrigudo”, “um menino desnutrido” da vida.

Caros sonhadores de missão, sigam tendo prazer pela África. Permaneçam orando pelos missionários que lá estão. Mas lembrem-se: há alguém, logo ali, que precisa da sua ajuda espiritual. E, acima disso, saibam: ter um coração missionário não é só chorar ao ver imagens de crianças africanas desnutridas.

Tharsis Kedsonni

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